Contos que Mal-Acabro - 1

Lucy in Rocktown
Lucy era uma menininha de 30 anos. Caminhava pela rua tarde da noite, nenhum rato se arriscava a sair naquela noite fria e chuvosa. Quer dizer, não estava chovendo literalmente, discutir o tempo era perda de tempo. Até por que naquela pequena cidade de arranha-céus, o povo fez justiça com as próprias mãos. Os metereológos (metereologista nesta cidade) foram mortos a sangue frio. Eles haviam previsto que viria para aquela cidade uma tempestade de areia de um lado e uma de granizo do outro. Isso era a gota d'água. Não houve enterro.
A cidade tinha passado por um caos durante o dia. Mas à noite, onde Lucy estava, tudo estava tão tranquilo, mas não menos assustador. A cidade era conhecida por aparições relâmpagos de seres abomináveis, tão abomináveis que colocavam Fred e Jason no chinelo (havaianas). Mas Lucy não estava nem ai. Aliás, estava sim. Fato é que fora demitida de seu emprego, ela fabricava chinelos havaianas numa fábrica perto de onde andava. A fábrica trabalhava incessantemente para cobrir a festa anual desta cidade, o dia do chinelo. Por incrível que pareça, chinelo era coisa de rico. E era o sustento da Rocktown.
Lá pelas tantas, Lucy encontrou um mendigo que levava nas mãos seu inseparável combustível. Quando a menininha passou por ele, ouviu o cara dizer algumas palavras em turco-otomano. Ela não deu muita bola no início, mas como havia feito curso deste idioma na fábrica, voltou e perguntou, em turco-otomano, o que ele disse. Ele repetiu as palavras.
Lucy ficou assustada e saiu correndo. Como podia um reles mendigo falar uma frase e a assustar tanto assim? Seu coração saltou pela boca, mas Lucy o pegou de volta com as mãos sujas e colocou no lugar. Os postes iluminavam as portas fechadas. Faltava muito para abrirem, mas Lucy as queria abertas. Ainda se encontrava longe de sua casa. Lembrou da casa de uma amiga da escola primária (fazia supletivo quando podia), e correu para lá. Passou por outros mendigos comemorando sabe-se lá o que.
Chegou aflita na porta da casa da Nora, outra menininha de 34 anos. Ela acordou meio tonta e acabou abrindo a janela. E mostrou que estava tonta caindo de lá. Uma equipe de reportagens do jornal A Fofoca É Brava flagrou o incidente e noticiou no dia seguinte: Suicida se atira de janela do pavimento térreo. Não houve enterro.
Lucy correu para ajudar a amiga, que estava sob o efeito de remédios. Levou-a para a cama e disse, mesmo sabendo que Nora não estava no mundo real (pois ela estava percebendo coisa nesse lugar que afetavam a memória), que queria usar o telefone. Ela foi até o aparelho e digitou alguns números, alguns, não digitou o 3, 5 e 6 no entanto repetiu inúmeras vezes o 9 e o 2. Ouviu uma mensagem: "Este número está bloqueado para esse tipo de serviço!". Então, revirando a mesa já meio bagunçada, encontrou um papel que parecia de algo importante. Quando viu os números, quase caiu para trás. Mas se recompôs quando ouviu um grito feminino vindo dos quartos.
Ao entrar no dormitório de Nora, nada de incomum, sua amiga estava apenas desacordada. Achou que teria gritado enquanto dormia, sonhando com sua face no espelho na manhã seguinte. Mas Lucy quase caiu para trás novamente, ao ouvir o mesmo grito vindo de outro quarto. Percebeu que não era de Nora e foi até o outro quarto. Antes de abrir a porta, o vizinho do lado aumentou o volume da TV, onde assistia um filme de suspense onde havia uma musiqueta de suspense, e essa musiqueta começa a tocar nesse momento (que parecia ser de suspense).
A garotinha se surpreendeu com o que viu. No outro quarto, estirado no chão, estava seu ex-namorado, um ex-jogador de bocha do Old Bocha Clube. Ele estava com um simbolo nazista marcado no peito e com uma estrela de seis pontas desenhado na careca. Ela quase vomitou em cima do sujeito, mas conseguiu desviar a tempo, largando tudo o que tinham em papéis importantes na mesa. Após se recompor outra vez, Lucy foi ver se o ex estava vivo. Mas antes de tomar o pulso, quase morreu de susto quando o cara deu mais um daqueles gritos femininos.
A porta atrás de Lucy se abre e estão três homens com sobretudo verde marca-texto, que a pegam e levam-na para seu carro lá fora, um Del Rey com o chassi todo amassado. Eles aplicam uma injeção no braço da menina e a última coisa que ela vê é um dos homens de verde desmaiando, isso por que o aplicador da injeção errou o alvo na primeira vez...
Ela acorda algum tempo depois. Está atirada no meio da rua. Era a Avenida Ghost Soldier. Estava meia zonza, mais pra lá do que pra cá. Algumas lembranças vinham a sua cabeça, como o de um palhaço fazendo cócegas em si mesmo, o de um prédio desabando no deserto, de uma formiga atômica, entre outras imagens sem o maior sentido. Ela levantou-se e olhou para frente. Lá estava o mesmo mendigo falando o mesmo turco-otomano, com o mesmo combustível, só que agora mais vazio.
Ela estava sem rumo, parecia não conhecer mais a cidade. Era apenas 2h da manhã; onde quer que fosse estaria tudo fechado. Procurou em seus bolsos o papel que ela precisava mas não conseguiu pegar antes de sair da casa de Nora. Olhou novamente para o mendigo. Ele havia lhe dito algo importante, mas, e se fosse mentira? Ele podia ser bem o Mestre dos Magos e dar conselhos infundados a levando para o lado ruim. Ou poderia ser um E.T. de uma galáxia bem safada...
Lucy estava entre duas alternativas: voltar pra casa e dormir pra trabalhar amanhã, mesmo estando desempregada, ou voltar até a casa da amiga e de seu ex (que por um acaso era irmão de Nora e tinha seus 40 aninhos) para esclarecer todas essa algazarra. Ou não se chamava Lucy Alguma Coisa.

Um comentário: